A lore é o coração do mundo de Avowed
Até agora, o marketing de Avowed revelou apenas a superfície da sua história, dando a impressão de que os jogadores são apenas heróis habilidosos enviados a uma terra assolada por uma praga para investigá-la. No entanto, a trama de Avowed vai muito além do que foi mostrado até agora, graças ao pano de fundo ricamente estabelecido pelo lore de Pillars of Eternity. Além disso, um dos grandes trunfos de Avowed é o sistema de escolhas do jogador, que, quando combinado com a profundidade do seu mundo, cria uma narrativa tão envolvente quanto impactante.
O que Avowed revelou sobre sua premissa até agora é verdade — os jogadores assumem o papel de um emissário do Império Aedyrano, enviado para investigar uma praga misteriosa chamada Dreamscourge, que se espalha pelas Terras Vivas de Eora. No entanto, ao chegar ao local e após um evento crucial, o protagonista se vê no meio de uma guerra política de grande escala pelo controle das Terras Vivas, com forças ocultas agindo nos bastidores e segredos sendo revelados conforme a história avança.
Embora Avowed tenha raízes no universo de Pillars of Eternity, ele foi projetado para ser uma experiência independente. Ainda assim, pode não ser imediatamente acessível para quem nunca jogou Pillars of Eternity, pois seus momentos iniciais trazem um vocabulário denso, que pode afastar jogadores mais casuais antes que a história realmente engrene. No entanto, à medida que Avowed foca em desenvolver sua própria trama, em vez de apenas expandir o universo de Pillars of Eternity, a narrativa se torna muito mais fácil de acompanhar, mesmo para quem não tem familiaridade prévia com a franquia.
A escolha é a alma da história da Avowed
Avowed pode até se apoiar bastante em sua lore para estabelecer o contexto da história, mas ele depende ainda mais do papel que os jogadores desempenham na construção dessa narrativa. O jogo aposta fortemente no conceito de RPG ao máximo, priorizando a liberdade do jogador e evitando deixar claro qual é a "escolha certa". Na verdade, não existe uma escolha objetivamente correta em Avowed – até mesmo os companheiros de equipe frequentemente lembram o jogador de que o mais importante é estar seguro da decisão tomada.
RPGs baseados em escolhas há muito tempo são criticados por oferecerem decisões claramente preto no branco, o que geralmente incentiva os jogadores a preferirem um caminho em detrimento de outro. Avowed, por outro lado, apresenta escolhas tão moralmente ambíguas e cinzentas que aqueles que preferem uma orientação mais direta podem achar o sistema frustrante. Essa ambiguidade é reforçada ainda mais pela grande quantidade de opções de diálogo disponíveis em praticamente todas as conversas, tornando ainda mais difícil discernir qual é o melhor caminho a seguir.
Apesar do desafio que esse sistema pode trazer, há uma beleza na flexibilidade de Avowed que o torna um dos RPGs mais diferenciados do mercado quando o assunto é liberdade de escolha. Em vez de empurrar os jogadores para uma interpretação pré-definida do protagonista, Avowed os liberta das amarras que outros RPGs frequentemente impõem. Aqui, os dilemas morais são reais, as consequências existem, mas as perdas nem sempre são óbvias ou tangíveis a ponto de tornar uma opção claramente superior à outra.
Essa filosofia se estende também ao sistema de companheiros do jogo. Nenhum deles abandonará o jogador por conta de uma escolha, e a ausência de mecânicas de afinidade significa que não há risco de perder um romance ou algum outro benefício de gameplay só porque um aliado não gostou de uma decisão. Avowed apresenta grandes escolhas narrativas ao longo da jornada, e em algumas delas, inevitavelmente, um companheiro ficará desapontado com o jogador, independentemente do caminho escolhido. No entanto, essa decepção nunca evolui para algo que prejudique o gameplay. Dessa forma, os companheiros não são apenas estatísticas ambulantes, mas sim peças essenciais na construção da história.
A Conclusão de Avowed Deixa Muito a Desejar
Como Avowed dá tanta importância à sua história e às escolhas feitas pelos jogadores ao longo da jornada, era essencial que ele amarrasse esses elementos de forma impactante e memorável. Afinal, uma boa história muitas vezes é definida pelo seu desfecho. Infelizmente, o final do jogo, independentemente das decisões tomadas, é extremamente anticlimático. Toda a tensão moral e o conflito político que foram cuidadosamente construídos ao longo da narrativa simplesmente se dissipam no desfecho, sem oferecer aos jogadores a chance de encerrar seus laços com os companheiros ou outros aliados. Além disso, não há oportunidade de explorar o estado do mundo após o final da história, o que pode deixar um gosto amargo para quem esperava mais consequências palpáveis.
Isso se deve ao fato de que, embora os jogadores vejam um resumo das ramificações das suas escolhas antes dos créditos, essas consequências são apresentadas de forma genérica, por meio de um "onde estão agora?" no estilo de slideshow, com um narrador apenas descrevendo os acontecimentos. Ter a chance de vivenciar essas consequências diretamente, seja por meio de cinemáticas impactantes ou mesmo através do gameplay, teria sido uma escolha muito mais envolvente. Em vez disso, o final de Avowed é extremamente raso, passando tão rápido quanto um espirro depois de uma longa inalação.
Isso não significa que as escolhas dos jogadores não importam – na verdade, elas são fundamentais. Mesmo que a história acabe sendo resumida de forma simplista, o impacto das decisões ainda é perceptível. Dessa forma, Avowed deve agradar ao público mais hardcore dos RPGs, que valoriza a liberdade de escolha acima de tudo. No entanto, para quem busca um desfecho mais denso e satisfatório, a experiência pode acabar parecendo incompleta.
Outro ponto estranho para um RPG com tanta ênfase em escolha e diversidade de builds é a ausência de um modo New Game Plus. Avowed incentiva múltiplas jogadas para explorar diferentes caminhos, mas não oferece nenhuma estrutura para facilitar isso. Além disso, o jogo não possui nenhum conteúdo pós-game, o que significa que, depois de finalizar a história, não há como continuar explorando o mundo. Isso se torna ainda mais frustrante porque o jogo recompensa os jogadores no final com uma tonelada de materiais de criação e itens valiosos – só que, ironicamente, não há mais nada para fazer com eles. Esse problema transforma qualquer loot obtido após o "ponto sem retorno" em um desperdício, o que, em um primeiro momento, parece um simples descuido, mas acaba soando como uma falha de design difícil de ignorar.
Por fim, embora a duração de um jogo não defina sua qualidade, Avowed poderia ter sido um pouco mais longo. Minha campanha durou cerca de 50 horas, tendo feito quase todas as missões secundárias e explorado cada canto do mapa. Dependendo do estilo de jogo, é possível estender isso para 60 horas, mas o problema real é o desequilíbrio entre história e gameplay. Em comparação com outros RPGs AAA modernos, a trama principal parece curta, possivelmente porque muito esforço foi dedicado ao mundo aberto e às atividades opcionais. Para ser mais específico: embora um completacionista possa gastar cerca de 60 horas finalizando tudo, a campanha principal dificilmente passa da metade desse tempo.
Avowed não precisava ser maior apenas por ser maior, mas há um motivo pelo qual essa questão importa: os companheiros de equipe. Apesar dos jogadores poderem passar horas conversando com seus aliados, a relação entre eles nunca parece se aprofundar de verdade. No fim das contas, o grupo soa mais como um bando de estranhos que se juntaram para salvar o mundo, sem realmente criarem laços uns com os outros. Isso faz com que momentos em que os personagens falam sobre "tudo o que passamos juntos" pareçam vazios, porque, na prática, não parece que passamos por muita coisa juntos. Uma história mais longa teria dado mais tempo para desenvolver esses laços, tornando os companheiros mais memoráveis e suas relações mais significativas.
O Sistema de Habilidades de Avowed Fica Aquém de sua Ambição
Um dos aspectos mais chamativos da jogabilidade de Avowed, antes mesmo de seu lançamento, é sem dúvida o potencial para uma diversidade de builds sem precedentes graças ao seu sistema de habilidades. Isso se deve, em grande parte, ao fato de que os jogadores podem escolher habilidades de três arquétipos clássicos de RPG — Guerreiro, Patrulheiro e Mago — sem ficar presos a apenas um deles. Essa liberdade no sistema de habilidades está bem implementada e funciona conforme o esperado. No entanto, alguns obstáculos impedem que os jogadores tenham total liberdade para explorar esse potencial, e o principal deles é a progressão de nível.
No início, subir de nível em Avowed é relativamente fácil, e cada novo nível concede um ponto de habilidade, que pode ser usado para desbloquear uma habilidade ativa ou passiva na árvore de talentos escolhida. O problema é que, conforme o jogo avança, a progressão de nível desacelera drasticamente, até ficar descompassada com o ritmo da história.
Quando cheguei à luta final do jogo, já havia feito quase todas as atividades disponíveis e ainda assim só tinha alcançado o nível 27, o que significa que tinha adquirido apenas 26 pontos de habilidade para distribuir entre as três árvores do jogo. Pode parecer muito, mas Avowed conta com 70 habilidades desbloqueáveis, e quase todas possuem três níveis de aprimoramento, cada um custando um ponto. Para liberar e maximizar tudo, seriam necessários mais de 200 pontos de habilidade. Embora seja óbvio que o jogo não permitiria um número tão alto, o descompasso entre a quantidade de habilidades e a quantidade de pontos adquiridos faz com que o potencial de diversidade de builds acabe não sendo plenamente aproveitado.
Esse é mais um aspecto em que Avowed poderia ter se beneficiado de um New Game Plus. Além de permitir aos jogadores reviver a história tomando decisões diferentes, um NG+ daria a chance de adquirir mais pontos de habilidade e testar novas combinações de builds. O jogo até permite realocar os pontos de atributos e habilidades a qualquer momento, mas isso custa dinheiro — um recurso essencial também para aprimorar equipamentos e negociar com mercadores. Isso significa que, embora os jogadores tenham a opção de refazer sua build quantas vezes quiserem, eles não têm liberdade real para isso, já que o custo pode ser um obstáculo constante.
O Mundo de Avowed é Lindo, Mas Repetitivo
Sem dúvida, um dos elementos mais marcantes de Avowed, mesmo em sua fase de marketing pré-lançamento, é o seu mundo vibrante e deslumbrante. O jogo não é de mundo aberto, mas oferece cinco áreas expansivas repletas de oportunidades para exploração. Além disso, cada uma delas é um verdadeiro colírio para os olhos, o que torna a jornada ainda mais envolvente. Desde o momento em que os jogadores colocam os pés na primeira região, é difícil resistir ao desejo de se desviar do caminho principal para explorar os arredores e descobrir o que cada canto tem a oferecer.
No entanto, por mais fascinantes que esses cenários sejam, a jogabilidade dentro deles pode se tornar repetitiva rapidamente. Pelo menos a partir da terceira região, muitos jogadores podem começar a sentir aquela fadiga típica de jogos de mundo aberto, pois todas as áreas de Avowed seguem um padrão de design muito semelhante, com as mudanças mais notáveis ficando restritas ao visual e às histórias individuais de cada local.
Cada região traz um bom número de missões secundárias para os jogadores completarem, além de cerca de cinco contratos de caça, onde é preciso eliminar monstros específicos espalhados pelo mundo. As missões secundárias valem muito a pena, pois não apenas oferecem narrativas opcionais interessantes, como também contribuem para expandir o lore e aprofundar o mundo do jogo de maneiras únicas. O problema maior está na exploração em si, que se resume basicamente a vasculhar o ambiente em busca de materiais de crafting escondidos em vegetação, baús ou drops de inimigos. Em outras palavras, as cinco regiões de Avowed podem ter visuais distintos, mas a estrutura básica delas é essencialmente a mesma.
O que realmente salva a experiência de exploração em Avowed é o seu sistema de parkour fluido e responsivo. Os jogadores não precisam lidar com mecânicas de escalada lentas ou agarrões desajeitados em bordas, pois o jogo garante uma movimentação rápida e natural pelo ambiente. Esse sistema de parkour também deixa a exploração mais dinâmica e variada, já que frequentemente há mais de um caminho para alcançar um objetivo. Por exemplo, um jogador pode escalar um telhado para entrar em um prédio, mas também tem a opção de simplesmente arrombar a porta se quiser seguir por outra abordagem.
